sábado, 19 de setembro de 2009

O reflexo da mídia na validade das normas


Provavelmente será perceptível que retomarei algumas ideias do post do dia 12 nesta postagem. Sexta-feira (18/09) à tarde assisti a uma matéria televisiva que me interessou, não do ponto de vista de um mero espectador, mas através de um olhar crítico que construí sobre a reportagem. O que ocorreu foi que, por volta das 6 da tarde, passei pelo canal da Band e resolvi ficar por lá, assistindo àquele programa policial do Datena, jornalista que considero radical na maioria das opiniões que emite. Infelizmente, não é só esse repórter que espalha posicionamentos leigos na televisão. Vou tentar retratar alguns episódeos marcantes sobre o assunto, incluindo o da tarde de ontem, para mostrar como esse posicionamento da mídia influir sobre a adesão do povo às normas e processos do Estado para atingir a justiça.

Vários casos estavam sendo relatados intercaladamente no Brasil Urgente, mas o programa colocou no ar um vídeo que mostrava um grupo de pessoas linxando um indivíduo que teria tentado roubar a bolsa de uma senhora de idade. O apresentador do programa propôs a seguinte enquete: Você é a favor do espancamento de marginais? Ao responder à pergunta, o telespectador poderia escolher entre SIM e NÃO e, apesar do posicionamento declaradamente negativo do repórter, o SIM venceu com uma grande folga (da última vez que vi a pesquisa no ar, eram indicados 2461 votos para o SIM e 322 para o não).

O vídeo que estou postando a seguir retrata exatamente o momento em que o apresentador passa da reportagem do espancamento para outra reportagem também interessante

ASSISTA AQUI O VÍDEO

A situação então é a seguinte: na televisão, o jornalista explicitamente diz "NÃO FAÇAM JUSTIÇA COM AS PRÓPRIAS MÃOS" ao falar do ladrão que foi espancado, mas alguns minutos depois, temos o "julgamento e condenação" do sujeito que agrediu o porteiro. Como o vídeo retratou pouco, devo complementar e dizer que o repórter pediu à produção do programa que procurasse o nome do morador do condomínio para que fosse divulgado para toda a audiência da TV Bandeirantes. Desprenda-se de qualquer tipo de opinião pessoal que você possa ter sobre o caso e analise comigo: se em um momento pede-se ao povo que a justiça não seja feita pelas mãos do povo, como um indivíduo que não passa de um cidadão comum faz o "julgamento" público de outro cidadão em rede nacional espera que o povo não se revolte e não chegue ao cúmulo de espancar pessoas na rua?

É certo que o Estado brasileiro tem se mostrado falho no combate à violência, mas atitudes como essa só geram mais violência. Por mais que o poder estatal se mostre insuficiente para resolver conflitos, nada justifica passar por cima das normas jurídicas que atribuem as competências de cada um na sociedade: é dever do judiciário julgar, é dever do executivo dar as condições para que cumpram-se as penas eventualmente estipuladas e é dever da polícia realizar a prevenção
dos crimes e a prisão dos que forem pegos em flagrante. Não é dever e nem direito do cidadão entrar nessas esferas: "Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta constituição." Assim estabelece a Constituição Federal de 1988, exercemos o poder primeiro pelos representantes eleitos e temos direito ao exercício direto em alguns casos, geralmente de forma pacífica (principalmente quando se trata de manifestações contra o Estado) e raramente podemos agir de forma agressiva para fazer valer nosso poder (como no caso de legítima defesa).

A liberdade de expressão pela qual se lutou tanto durante a Ditadura Militar é algo para ser usado com bom senso e com respeito ao Estado em que vivemos. Não estou dizendo que nós devemos respeitar os políticos o tempo todo, mas sim a Constituição e a forma de Estado Democrático de Direito que tentamos manter. O poder da televisão hoje em dia é tão grande que no ano passado, os canais conseguiram revoltar um país inteiro contra um casal de suspeitos de atirarem uma criança do alto de um prédio sem que os autos do processo judicial do caso tivesse tido a chance de ser gerado. Me pergunto se isso não é fazer justiça com as próprias mãos. Os exemplos que estão sendo citados são de maior intensidade e muitos deles podem acabar em uma condenação judicial, sim, mas nada disso dá direito à perversidade dos discursos utilizados na mídia para fazer outro tipo de condenação. O que acaba acontecendo é que o povo passa a achar que uma vez que tal pessoa seja pega em um ato ilícito ou seja exposta pela mídia como praticante de um ato ilícito, as normas de proteção e de segurança jurídica ao cidadão param de valer, e valem agora as normas bárbaras de vingança pessoal. O ponto chave aqui é que isso não mostra só uma fraqueza do Estado, mas mostra também que as pessoas estão sendo estimuladas a exercer justiça com as próprias mãos. As emissoras de TV e vários outros tipos de mídia riaram uma indústria que é especialista em descobrir, delatar, denunciar e muitas vezes, intencionalmente ou não, CRIAR bandidos, inimigos do povo.

É certo que os tribunais brasileiros ainda seguem todo o processo legal e julgam todos esses casos escandalizados como casos normais, mas imagine se no caso Nardoni, que citei há pouco, ambos os réus fossem julgados inocentes. Quando a justiça emite uma decisão pela inocência, teoricamente ela está dizendo que aquela pessoa nada fez e que ela está pronta para retornar à sociedade. Mas, de maneira mais direta: você seria cliente de Alexandre Nardoni, bacharel em Direito, após todo esse escândalo? Infelizmente, a maioria diria que não.

3 comentários:

  1. Marcos; em um dos meus posts anteriores eu já havia feito uma referência a esses apresentadores que usam do sensacionalismo para difundir ideias absurdas que ferem o mínimo de senso entre a população. Devemos estar sempre atentos a tudo o que vemos e ouvimos na mídia para não sairmos fazendo julgamentos precipitados. Valeu pelo post.

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  2. Marcos, essa dicussão que vc apresenta não nos remeteria mais a questão da eficácia do que a questão da validade?

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  3. Marcos...
    Eu fiquei muito abalada com o seu post. Achei que o enfoque que você deu foi muito legal, foi realmente para nos fazer pensar. Eu perticularmente concordo com o seu ponto de vista, que eu acho estar bem claro no texto, e acho muito importante que as pessoas parem de achar que podem fazer justiça com as próprias mãos.
    Nota 10 para você.

    E meio que respondendo ao comentário anterior, eu não acho que o ponto principal do seu texto seja eficácia, mas a questão da justiça, ok?
    Bju!!!

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